O riograndino é como aquele chinelo que tu guardas
para dar uma volta no final de semana.
Mas afinal de contas o que diferencia o seu chinelo
de dar uma volta no final de tarde/noite, daquele chinelo que você passa o dia
inteiro com ele?
Em sua estrutura e ordem ambos possuem uma sola de
borracha e tiras. Independente do fabricante, dificilmente conseguirás
distinguir a marca no pé do indivíduo, ao menos que sejas um observador
atento desta parte do corpo.
Mas então, essa história de chinelo, verão, o que
tem a ver com o riograndino? Vou explicar onde quero chegar. Aqui nestas breves
linhas servirá como um elemento figurativo, para ilustrar um pouco do
comportamento social da nossa pequena cidade do Rio Grande.
Vamos aos fatos...
As coisas por aqui tem se modificado muito
rapidamente. Desde 2005 (com a chegada da primeira plataforma) assistimos a
cidade mudar de perfil, nos seus habitantes sejam eles fixos ou
flutuantes.
Toda a cidade se transformou, junto com as mudanças
aparecem os problemas e acentuam-se as diferenças. Filas imensas nos
supermercados, crescimento populacional, violência, vida noturna agitada com os
bailões e puteiros ganhando uma sobre vida, além do choque cultural/visual
causado pelos costumes dos "estrangeiros". A tradicional calça jeans
acompanhada de um par de chinelos e uma camisa justa no corpo, passou a ser uma
vestimenta comum no cotidiano papareia, além é claro dos uniformes das muitas
empresas do pólo naval.
Nós riograndinos somos aquele tipo de pessoas que
os cariocas e paulistas da capital costumam chamar de provincianos. Ainda
estamos acostumados com o estilo de vida pacato. Sair na rua, ou na "agitada"
noite e ver as mesmas pessoas de sempre. É fato comum se interessar por alguém
e no meio de conversa com algum amigo, descobrir todo o histórico da pessoa que
te chamou a atenção. É possível saber de quase tudo quando se mora numa cidade
de dimensões pequenas como a nossa.
Este tipo de fato, comportamento, permeia o
imaginário e o cotidiano do que habitam pelas terra papareia. E quem se
habilita a fugir do senso comum, do ciclo natural da vida? Namorar, casar,
engordar, engravidar, ter filhos, familia, o que se torna? Um(a) mal amado(a),
de hábitos suspeitos, um gay ou lésbica, ou quem sabe um enrustido que não saiu
do armário de Nárnia?
Isso tudo faz parte de uma mentalidade urbana, que
está enraizada no estilo de vida e no comportamento dos riograndinos. Nossa
cidade, sempre aspirou ser grande, em determinado momento histórico (até o
início do século XX era considerada), mas perdeu o posto, pois seus principais
pilares de sustentação, o setor industrial, faliu, e passamos muito anos na
escuridão, esquecidos, vivendo em cima das lembranças, ou do que havia restado
de um pioneiro passado industrial.
Somos uma urbe de origem portuguesa, país pequeno,
de cidades pequenas e de gente que pensa na mesma proporção territorial do seu
chão. A única grandeza que os portugueses conseguiram pensar foi a econômica.
Desde os seus princípios como Estado, na Idade Média, perceberam que era
impossível enriquecer em território minúsculo como é Portugal. Por isso, a
justificativa de buscar novas terras além mar.
As cidades portuguesas não diferem em suas origens.
Começaram em sua grande maioria ao redor de uma praça, onde em suas adjacências
concentravam-se os prédios do poder administrativo, Prefeitura, Fórum, Igreja,
Polícia, Câmara, bancos e nas ruas próximas os estabelecimentos comerciais. E
assim as pequenas urbes iam prosperando em todo o território nacional.
A cidade cresceu em volta do que hoje se conhece
como centro histórico, a elite distinguia-se da "população comum"
através de seus importados hábitos, que iam do requinte da moradia aos
refinados e forçados gostos pelas artes entre outros modismos que sempre
estiveram presentes na Big River Histórica.
Os portugueses de Rio Grande, também marcaram
presença na expansão urbana e territorial, rumo ao oeste da península.
Estiveram presentes nos comércios e casas de alugueis na Cidade Nova e bairros
surgidos em sua continuidade.
Quando Rio Grande vivia o seu apogeu econômico
encabeçado pelas fábricas Rheingantz, Ítalo Brasileira, Swifit, Poock, Viação
Férrea e Porto do Rio Grande, a cidade recebeu milhares de migrantes oriundos
da região da campanha do Rio Grande do Sul.
O sul do Rio Grande do Sul, se encontrava
esquecido, falido desde os tempos áureos das charqueadas. A escassez de
trabalho nessa região fez com que muitas pessoas buscassem em Rio Grande uma
nova oportunidade de vida, na cidade industrial.
Em nossa estirpe fomos constituídos pelo o que
poderia existir de mais conservador na face da terra, imigrantes
portugueses do campo e por gaúchos da região da campanha. Isso tudo nos garante
o selo de qualidade Ultra-Conservador, certificado pelo INmetro.
Passado quase um século e meio do início do
primeiro ciclo industrial da cidade, período este em que é possível detectar um
crescimento urbano e populacional, nos vemos frente a um novo momento
histórico.
O primeiro ciclo industrial ficou marcado pela
forte presença de imigrantes de diversas nacionalidades, ingleses, alemães,
poloneses, portugueses, espanhóis, italianos, árabes e judeus. No entanto,
dentro deste novo cenário industrial, que está configurado em Rio Grande, não é
possível perceber a presença significativa e influente de estrangeiros.
Ainda estabelecendo uma comparação com o passado, pode-se dizer que o público migrante de outrora era majoritariamente composto por gaúchos do interior do estado, da já citada região da camapanha. Mas, agora a realidade se apresenta de forma bastante distinta, pois os migrantes são oriundos da região do norte/nordeste do país e são conhecidos pelo codinome de "Baianos".
Os migrantes atuais falam diferente, possuem hábitos e costumes que no mínimo soam como curiosos, desrespeitosos aos olhos dos gaúchos. Mas, ao mesmo tempo em que a diferença cultural acentua e distingue o perfil dos novos moradores, ela já causa pequenas transformações nos hábitos dos nativos.
Pergunto eu: Até 2005 quem se arriscava a sair do trabalho uniformizado e emendar um happy hour, cervejinha no posto ou até mesmo um rolé pela cidade??
O impacto causado pela presença
dos "estrangeiros", sentido aqui em Rio Grande, não é um fenômeno isolado e novo.
A Europa, convive com este drama desde o início do século XX, principalmente na
sua segunda metade. É o preço pago por um colonialismo imposto guela a baixo em
nações menores. A dupla cidadania concedida aos filhos, netos (descendentes de
europeus), causou uma imensa onda de xenofobia e violência no velho
continente.
O Rio Grande atual, vive os mesmos
dilemas de um continente inteiro. Mas aqui a desconfiança e a raiva habitam
sobre a pele de baianos/nordestinos/ “os estrangeiros”, que sem culpa por serem
mais qualificados que os nossos orgulhosos cidadãos, vieram para essas bandas
em busca de trabalho e boa remuneração.
Esse texto, só surgiu em
virtude de uma postagem no facebook de Eduardo Bozzetti, (Gotas de Ácido) onde
ele diz que o riograndino detesta concorrência no quesito chinelagem, ou seja,
tem ciúmes de ser chinelo. Precisa ostentar este título.
Acontece que, nos orgulhamos interiormente de
nossa postura papareia, além de carregarmos um orgulho/bairrismo exacerbado
pelas simples e poucas coisas que temos como opção, morando numa cidade como
Rio Grande. O que acaba levando os "ilustres" habitantes a cultivarem
hábitos no mínimo questionáveis em matéria de diversão.
Sair pra rua e ficar dando inúmeras voltas na avenida do cassino; Parar o carro na praia, abrir o porta malas com um som estrondoso e fazer um
juntamento na volta, ou ficar parado em num posto de gasolina ou em frente de festas são atrações que encantam qualquer turista de cruzeiro que aqui aportam.
Mas, tudo bem, nada de anormal
em se embreagar na praia ficar dançando funk descendo até o chão chão-chão-chão
em cima de uma pick up, ou pegar a moto e ficar acelerando até que toda as
pessoas que estão nos 10 km ao seu redor percebam o quanto é potente a sua CG
150.
Nada mais
até aqui néééééééééé?? (COMPIANY, Lu)
Todos nós estamos acostumados a
assistir essas e muitas outras demonstrações do mais fino requinte de
chinelagem papareia. Assim como, somos capazes de identificarmos seus atores,
onde que que estejam. Mas e daí, qual é problema em protagonizar uma
chinelagem?
O grande problema disso tudo
aparece quando um grupo de baianos/nordestinos chega ao espaço público habitado
pelos nativos. A situação piora, se algum deles abre o porta malas do seu carro
e começar a tocar Parangolé, Psirico ou Calcinha Preta, seguido de suas
coreografias. Isso é o suficiente para gerar uma onda de revolta contra esses
indivíduos, o qual pode ser muito bem observada pelas inúmeras manifestações
nas redes sociais.
Por que isso
tudo? O que difere uma situação da outra?
Como havia dito lá no início deste
texto, o chinelo em sua estrutura é o mesmo, sola e tiras de borracha. Acontece
que dentro deste instigante setor da indústria calçadista, alguns são vendidos
sobre a propaganda de serem Originais, mais duráveis, não arrebentar as tiras,
não deixar cheiro. Por outro lado, todos eles precisam inovar para se manterem
competitivos num mercado que se renova e segue tendências de ano em ano.
A diferença dos chinelos consiste
justamente no antagonismo entre o novo e o velho, o tradicional e o moderno. No
sentido figurado nos serviram para ilustrar a grande dificuldade de assimilação
e convivência com o povo de fora.
A resistência ao novo, sempre nos
incomoda, somos os primeiros a falar e lutar pelas mudanças, mas quando essas
acontecem, não paramos de encontrar defeitos na nova situação, e passamos horas
encontrando no saudosismo dos velhos tempos as melhores condições de nossa
feliz vida.
Continua...