quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

O último foco da resistência



Retirada das posses no campo da Caixa D'água. Fotos: Daniel Correa.

                 
08:45 da manhã do dia 27/02/2013, o barulho das máquinas e caminhões no campo, a poucos metros a frente de minha casa, indicam que o último foco de resistência das invasões do Parque Marinha, foi derrubado.
As invasões iniciadas no dia 21 de Dezembro no campo da Caixa D’água, encabeçadas por Ednelsom, desencadearam uma sucessiva e desenfreada onda de posseiros, tomando conta de todas as áreas verdes do bairro. Passadas algumas semanas a Prefeitura anunciou o pedido de reintegração de posse, exigindo a saída das pessoas destes lugares.
Os campos rapidamente tomados pelos posseiros foram esvaziados na mesma velocidade de suas ocupações, restando apenas algumas barracas e bandeiras do PT pintadas a mão. Aos poucos, todas as pessoas até então “desabrigadas” voltaram para as suas respectivas casas e o discurso do não tenho onde morar desabava junto com as suas malocas.

Bandeira do PT pintada a mão, campo do Tamandaré. Foto: Ticiano Pedroso.

Mas no campo da Caixa D’água, as coisas aconteceram de forma diferente. Apoiados por alguns vereadores como Kanelão e Paulo Roldão, os posseiros conseguiram auxílio jurídico, e o direito de serem ouvidos na Câmara Municipal. Estes fatos acabaram retardando a retirada das posses naquele território. (ver postagem).
A grande maioria dos habitantes do Parque Marinha sabiam quem eram os invasores, assim como, o real interesse que existia por de trás do malfadado discurso do “não tenho onde morar”. Muitos destes terrenos já se encontravam sendo negociados, ou em fase da construção de alvenaria. 

Retirada das posses no campo da Caixa 'água. Fotos: Daniel Correa.

Desta vez a administração municipal agiu como se esperava, tomando a iniciativa, vindo a público falar que não permitiria a posse ilegal dos campos e desde o início frisando a retirada dos ali apossados.
Alexandre Lindenmeyer e sua trupe evitaram aquilo que poderia ser um dos grandes problemas em sua administração. Permitir a posse ilegal de terrenos públicos, ou simplesmente, fazer de conta que não vê, como sempre foi feito até aqui, seria consentir com o ilegítimo, desencadeando uma onda de invasões e posses em proporções nunca vistas.
Demorou, mas foi derrubado. Parabéns à Prefeitura que além da retomada das áreas verdes do Parque Marinha, vem realizando um trabalho de limpeza destes locais, o qual se encontravam entregues a própria sorte, aos cuidados de uma população que descarta o seu próprio lixo no campo da frente de sua casa, ou no campinho da esquina. 
(ver também) 

Campo que divide os bairros Parque Marinha e Parque São Pedro. Foto: Ticiano Pedroso.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

O chinelo velho e o novo baiano



O riograndino é como aquele chinelo que tu guardas para dar uma volta no final de semana.
Mas afinal de contas o que diferencia o seu chinelo de dar uma volta no final de tarde/noite, daquele chinelo que você passa o dia inteiro com ele?
Em sua estrutura e ordem ambos possuem uma sola de borracha e tiras. Independente do fabricante, dificilmente conseguirás distinguir  a marca no pé do indivíduo, ao menos que sejas um observador atento desta parte do corpo. 
Mas então, essa história de chinelo, verão, o que tem a ver com o riograndino? Vou explicar onde quero chegar. Aqui nestas breves linhas servirá como um elemento figurativo, para ilustrar um pouco do comportamento social da nossa pequena cidade do Rio Grande. 

Vamos aos fatos...
As coisas por aqui tem se modificado muito rapidamente. Desde 2005 (com a chegada da primeira plataforma) assistimos a cidade mudar de perfil, nos seus habitantes sejam eles fixos ou flutuantes. 
Toda a cidade se transformou, junto com as mudanças aparecem os problemas e acentuam-se as diferenças. Filas imensas nos supermercados, crescimento populacional, violência, vida noturna agitada com os bailões e puteiros ganhando uma sobre vida, além do choque cultural/visual causado pelos costumes dos "estrangeiros". A tradicional calça jeans acompanhada de um par de chinelos e uma camisa justa no corpo, passou a ser uma vestimenta comum no cotidiano papareia, além é claro dos uniformes das muitas empresas do pólo naval. 


Nós riograndinos somos aquele tipo de pessoas que os cariocas e paulistas da capital costumam chamar de provincianos. Ainda estamos acostumados com o estilo de vida pacato. Sair na rua, ou na "agitada" noite e ver as mesmas pessoas de sempre. É fato comum se interessar por alguém e no meio de conversa com algum amigo, descobrir todo o histórico da pessoa que te chamou a atenção. É possível saber de quase tudo quando se mora numa cidade de dimensões pequenas como a nossa. 
Este tipo de fato, comportamento, permeia o imaginário e o cotidiano do que habitam pelas terra papareia. E quem se habilita a fugir do senso comum, do ciclo natural da vida? Namorar, casar, engordar, engravidar, ter filhos, familia, o que se torna? Um(a) mal amado(a), de hábitos suspeitos, um gay ou lésbica, ou quem sabe um enrustido que não saiu do armário de Nárnia? 


Isso tudo faz parte de uma mentalidade urbana, que está enraizada no estilo de vida e no comportamento dos riograndinos. Nossa cidade, sempre aspirou ser grande, em determinado momento histórico (até o início do século XX era considerada), mas perdeu o posto, pois seus principais pilares de sustentação, o setor industrial, faliu, e passamos muito anos na escuridão, esquecidos, vivendo em cima das lembranças, ou do que havia restado de um pioneiro passado industrial. 
Somos uma urbe de origem portuguesa, país pequeno, de cidades pequenas e de gente que pensa na mesma proporção territorial do seu chão. A única grandeza que os portugueses conseguiram pensar foi a econômica. Desde os seus princípios como Estado, na Idade Média, perceberam que era impossível enriquecer em território minúsculo como é Portugal. Por isso, a justificativa de buscar novas terras além mar. 
As cidades portuguesas não diferem em suas origens. Começaram em sua grande maioria ao redor de uma praça, onde em suas adjacências concentravam-se os prédios do poder administrativo, Prefeitura, Fórum, Igreja, Polícia, Câmara, bancos e nas ruas próximas os estabelecimentos comerciais. E assim as pequenas urbes iam prosperando em todo o território nacional. 


A cidade cresceu em volta do que hoje se conhece como centro histórico, a elite distinguia-se da "população comum" através de seus importados hábitos, que iam do requinte da moradia aos refinados e forçados gostos pelas artes entre outros modismos que sempre estiveram presentes na Big River Histórica. 
Os portugueses de Rio Grande, também marcaram presença na expansão urbana e territorial, rumo ao oeste da península. Estiveram presentes nos comércios e casas de alugueis na Cidade Nova e bairros surgidos em sua continuidade. 
Quando Rio Grande vivia o seu apogeu econômico encabeçado pelas fábricas Rheingantz, Ítalo Brasileira, Swifit, Poock, Viação Férrea e Porto do Rio Grande, a cidade recebeu milhares de migrantes oriundos da região da campanha do Rio Grande do Sul. 
O sul do Rio Grande do Sul, se encontrava esquecido, falido desde os tempos áureos das charqueadas. A escassez de trabalho nessa região fez com que muitas pessoas buscassem em Rio Grande uma nova  oportunidade de vida, na cidade industrial. 
Em nossa estirpe fomos constituídos pelo o que poderia  existir de mais conservador na face da terra, imigrantes portugueses do campo e por gaúchos da região da campanha. Isso tudo nos garante o selo de qualidade Ultra-Conservador, certificado pelo INmetro. 
Passado quase um século e meio do início do primeiro ciclo industrial da cidade, período este em que é possível detectar um crescimento urbano e populacional, nos vemos frente a um novo momento histórico. 
O primeiro ciclo industrial ficou marcado pela forte presença de imigrantes de diversas nacionalidades, ingleses, alemães, poloneses, portugueses, espanhóis, italianos, árabes e judeus. No entanto, dentro deste novo cenário industrial, que está configurado em Rio Grande, não é possível perceber a presença significativa e influente de estrangeiros. 




Ainda estabelecendo uma comparação com o passado, pode-se dizer que o público migrante de outrora era majoritariamente composto por gaúchos do interior do estado, da já citada região da camapanha. Mas, agora a realidade se apresenta de forma bastante distinta, pois os migrantes são oriundos da região do norte/nordeste do país e são conhecidos pelo codinome de "Baianos".
Os migrantes atuais falam diferente, possuem hábitos e costumes que no mínimo soam como curiosos, desrespeitosos aos olhos dos gaúchos. Mas, ao mesmo tempo em que a diferença cultural acentua e distingue o perfil dos novos moradores, ela já causa pequenas transformações nos hábitos dos nativos. 
Pergunto eu: Até 2005 quem se arriscava a sair do trabalho uniformizado e emendar um happy hour, cervejinha no posto ou até mesmo um rolé pela cidade??




O impacto causado pela presença dos "estrangeiros", sentido aqui em Rio Grande, não é um fenômeno isolado e novo. A Europa, convive com este drama desde o início do século XX, principalmente na sua segunda metade. É o preço pago por um colonialismo imposto guela a baixo em nações menores. A dupla cidadania concedida aos filhos, netos (descendentes de europeus), causou uma imensa onda de xenofobia e violência no velho continente. 
O Rio Grande atual, vive os mesmos dilemas de um continente inteiro. Mas aqui a desconfiança e a raiva habitam sobre a pele de baianos/nordestinos/ “os estrangeiros”, que sem culpa por serem mais qualificados que os nossos orgulhosos cidadãos, vieram para essas bandas em busca de trabalho e boa remuneração. 
 Esse texto, só surgiu em virtude de uma postagem no facebook de Eduardo Bozzetti, (Gotas de Ácido) onde ele diz que o riograndino detesta concorrência no quesito chinelagem, ou seja, tem ciúmes de ser chinelo. Precisa ostentar este título.
Acontece que, nos orgulhamos interiormente de nossa postura papareia, além de carregarmos um orgulho/bairrismo exacerbado pelas simples e poucas coisas que temos como opção, morando numa cidade como Rio Grande. O que acaba levando os "ilustres" habitantes a cultivarem hábitos no mínimo questionáveis em matéria de diversão. 
Sair pra rua e ficar dando inúmeras voltas na avenida do cassino; Parar  o carro na praia, abrir o porta malas com um som estrondoso e fazer um juntamento na volta, ou ficar parado em num posto de gasolina ou em frente de festas são atrações que encantam qualquer turista de cruzeiro que aqui aportam. 
Mas, tudo bem, nada de anormal em se embreagar na praia ficar dançando funk descendo até o chão chão-chão-chão em cima de uma pick up, ou pegar a moto e ficar acelerando até que toda as pessoas que estão nos 10 km ao seu redor percebam o quanto é potente a sua CG 150. 
 Nada mais até aqui néééééééééé?? (COMPIANY, Lu) 
Todos nós estamos acostumados a assistir essas e muitas outras demonstrações do mais fino requinte de chinelagem papareia. Assim como, somos capazes de identificarmos seus atores, onde que que estejam. Mas e daí, qual é problema em protagonizar uma chinelagem? 
O grande problema disso tudo aparece quando um grupo de baianos/nordestinos chega ao espaço público habitado pelos nativos. A situação piora, se algum deles abre o porta malas do seu carro e começar a tocar Parangolé, Psirico ou Calcinha Preta, seguido de suas coreografias. Isso é o suficiente para gerar uma onda de revolta contra esses indivíduos, o qual pode ser muito bem observada pelas inúmeras manifestações nas redes sociais.

Por que isso tudo? O que difere uma situação da outra? 
Como havia dito lá no início deste texto, o chinelo em sua estrutura é o mesmo, sola e tiras de borracha. Acontece que dentro deste instigante setor da indústria calçadista, alguns são vendidos sobre a propaganda de serem Originais, mais duráveis, não arrebentar as tiras, não deixar cheiro. Por outro lado, todos eles precisam inovar para se manterem competitivos num mercado  que se renova e segue tendências de ano em ano.
A diferença dos chinelos consiste justamente no antagonismo entre o novo e o velho, o tradicional e o moderno. No sentido figurado nos serviram para ilustrar a grande dificuldade de assimilação e convivência com o povo de fora. 
A resistência ao novo, sempre nos incomoda, somos os primeiros a falar e lutar pelas mudanças, mas quando essas acontecem, não paramos de encontrar defeitos na nova situação, e passamos horas encontrando no saudosismo dos velhos tempos as melhores condições de nossa feliz vida.

Continua...