quarta-feira, 22 de abril de 2015

Terceirizei aí Tio!


A Câmara dos Deputados aprovou na noite desta quarta-feira, 22 de abril de 2015, a emenda do Projeto de Lei 4.330/04, que permite a terceirização de atividades fins das empresas. A decisão não é definitiva, pois ainda vai para o Senado e depois precisa ser sancionada pela Presidenta Dilma. Mas, tendo em vista o cenário da política nacional, tudo leva a crer que esta derrota dos trabalhadores é apenas uma questão de tempo. Surpreendentemente a PL 4330 já ecoa pelas bandas do sul do sul do Brasil. Vamos aos fatos.
Trabalho numa escola na região central da cidade de Rio Grande. Percebo que, no horário comercial, é praticamente impossível encontrar uma vaga para estacionar nas ruas do centro.
Vagas livres, ao contrário do que se possa imaginar, não significam que você vai chegar encostar o carro e sair. Vaga livre é sinônimo de guardador de carro; significa que você terá que deixar alguns trocados para os manos ali da rua.
Nunca vi nenhum problema em deixar alguns trocados para os guardadores, afinal de contas eles estavam ali tentando a vida, sempre os via como vítimas do sistema. Mas essa época de trégua acabou no momento em que eu necessitei ir de carro para o trabalho e, consequentemente, negociar diariamente com os guardadores.
Eu não via nenhum problema, mas hoje em dia percebo vários. A convivência maior no centro da cidade me fez analisar e perceber melhor este problema. Sou contra os parquímetros, acho injusto, mas os vejo também como vítimas de um sistema que não privilegia o bem coletivo e que te impõe à lógica do individualismo, de se locomover com conforto e segurança em menor tempo dentro de um automóvel.
Mas creio que os parquímetros dinamizaram os espaços de estacionamento e, por outro lado, tiraram o trampo de muito mano que fazia os corre cuidando carro. Enfim, como em quase tudo, sempre tem dois lados, a verdade é relativa e sempre é preciso analisar as coisas por pontos de vistas diferentes.
Uma das coisas que percebi ali na área da escola onde trabalho é que existe uma organização, por parte dos guardadores de carro, uma espécie de territorialização dos espaços nem tão livres assim. Ou seja, existe uma lógica moral, um código ético que penaliza os que ousam extrapolar os limites territoriais de cada um. Tentei entender melhor. Como funciona isso conversando com os meninos.
A lógica toda gira em torno do tempo, ou seja, do “cheguei primeiro aqui”, “estou aqui há tantos anos”. Só que as coisas foram mudando, a redução do IPI estimulou o consumo e a venda de milhares de automóveis nos últimos anos no Brasil. Rio Grande é exemplo claro disso tudo, as ruas apertadas do velho centro urbano quase não comportam mais veículos. Bom, tudo isso aumentou a demanda de mão de obra e a necessidade de se ter mais guardadores para cuidar de mais carros.
O primeiro guardador estava trabalhando demais e, sabem como é, precisou abrir uma seleção de emprego no qual entrou um brother lá da rua dele. Com o passar do tempo, aumento do fluxo e da renda, o emprego foi chamando a atenção de outros brothers que passaram a desejar o trabalho.
Resumindo, hoje em dia a equipe é composta por 6 guardadores que ocupam duas ruas laterais da escola, nos turnos da manhã e tarde. O lucro segundo o código moral deveria ser dividido por todos em partes iguais ao final do dia, mas como eu disse, deveria. O que de fato acontece é que alguns trocados não são computados/registrados aos lucros, numa clara demonstração de que a Lava Jato não passou por aqui.
A empresa também oferece um serviço de lavagem automotiva ao custo de 10 reais. Mas este pagamento é acordado diretamente com o trabalhador, pois exige toda uma logística por parte do operário que precisa de baldes de água, sabão, panos, esponjas e etc. Neste caso, as cifras não são computadas às somas da empresa, indo direto para o operário.
Mas o fato surpreendente nisso tudo é que, na mesma semana em que a Câmara de Deputados discutia a PL 4330 e milhares de trabalhadores se organizaram em protestos no Brasil inteiro, a atividade fim dos guardadores de carro da rua da minha escola foi TERCEIRIZADA.
Ao sair da escola e entrar no carro fui surpreendido por um guardador - devidamente uniformizado com colete e boné vermelho - que me pedia uns trocados. Não aguentei a curiosidade e perguntei: Mas esse ponto aqui não é dos guris?
A resposta foi: “É sim, só que agora eles vêm mais tarde, por volta do meio dia, então até esse horário eles me passaram a função”.  Não contente com a resposta do novo guardador, em outro momento fui conversar com o dono da firma: “Pô mano, isso ta uma bagunça, cada dia vem uma pessoa diferente aqui pedir dinheiro, o que ta acontecendo?”, o ‘chefe’ respondeu “É que de manhã é muito cedo, aí nós passamos pra esse aí tio aí, mas ele sabe que de tarde é nóis aqui, ele tem o horário dele.”

Depois dessa conversa com o mano empregador, não me restou mais nenhuma dúvida de que a PL 4330 já demonstra seus efeitos por aqui. O desconhecimento do funcionário, a rotatividade de mão de obra, a desconfiança e o nível de qualidade do trabalho devem ser a nova tônica daqui para frente.