Crescimento
às avessas. Desconfiança e medo no Parque Marinha
O ano era 1999,
talvez seja essa a última recordação que tenho dos campinhos, legítimas áreas
verdes que faziam parte do cenário do maior bairro da cidade de Rio Grande, o Parque
Marinha. Estes espaços eram diariamente ocupados por crianças que habitavam em
suas proximidades. Naquele século, as crianças e adolescentes ainda cultivavam estranhos
hábitos de brincar na rua, andar de bicicleta, jogar futebol, pé na bola,
caçador e outras brincadeiras que faziam parte do cotidiano de uma geração que
desconhecia os jogos On Line, Discovery Kids e Cartoon Network.
Mas por que
falar de brincadeiras de infância? E qual é a relação desta com os campos do
bairro? Em outras palavras, o fim das saudosas áreas verdes, o qual permeou a
infância de muitos adultos hoje, está diretamente relacionado com o início de
uma era de degradação do espaço físico e geográfico do Parque Marinha. A partir
de 1999, o bairro vem atravessando sucessivas ondas de invasões, encabeçadas
por posseiros profissionais que transformaram a paisagem pacata do bairro em
renda da terra.
Me lembro muito
bem que terrenos eram marcados com linhas, sacolas plásticas penduradas em
estacas delimitavam os limites de uma futura e duvidosa vizinhança. Casas eram
erguidas da noite para o dia, um novo cenário se formava e o antigo habitante
se deparava a cada amanhecer com uma nova paisagem.
O discurso de
que essas posses serviriam unicamente com a finalidade de abrigar famílias que
não tinham um teto, foi logo destituído pelo fato de que todos os invasores,
uma vez erguidas suas malocas, colocaram-nas a venda, tratando de se livrar de
maneira mais rápida possível. Inclusive, dentro desse rentável mercado que se
tornou a posse de terrenos no Parque Marinha, uma série de pessoas criou um
mercado paralelo, invadindo e posteriormente revendendo lotes em várias partes
do bairro.
Os terrenos invadidos
ainda permanecem, hoje são casas de excelente qualidade, sobrados,
estabelecimentos comerciais, e o público que os habita sequer tem parentesco
com os antigos invasores.
Então por que
apontar as invasões como o ponto da degradação de um bairro? Parece
extremamente preconceituoso e elitista falar uma coisa dessas. Acontece que
como historiador de formação que sou, preciso delimitar marcos temporais, e o
início dessa crítica que me soa como uma tragédia anunciada, tem o seu início,
exatamente com as posses no ano de 1999.
As invasões
determinaram o princípio de uma nova era em que tudo se podia fazer, os
direitos de moradia asseguravam a posse, as casas sem esgoto, luz elétrica,
logo foram enjambradas com cabos elétricos e canos que traziam de forma muito
precária a ligação. Águas servidas eram despejadas sem nenhum critério no meio
das ruas, causando uma imensa sensação de descontrole.
Além disso, essa
nova era marcou uma mudança de perfil dos moradores do bairro, que já estavam
acostumados com o convívio das vizinhanças, com o espírito e sensação de
comunidade. Como já disse antes, as posses modificaram o cenário do bairro,
transformaram paisagens, trouxeram novos vizinhos e com eles a estranha
sensação - como diz o sociólogo Zigmunt Bauman - de Medo e desconfiança de
habitar.
Os campos
restantes, aqueles que não foram invadidos por algum motivo, ou pela
intervenção direta dos poderes públicos, serviram como depositários de
lembrança de um tempo presente, em que estes faziam parte da vida dos moradores.
Mas também, acabaram ganhando uma nova finalidade, virando verdadeiros
dispensários de lixo a céu aberto, em meio ao bairro.
Sacolas
plásticas, garrafas pet, latas, vidros, colchões, sofás e animais mortos eram,
e são livremente despejados nesses espaços públicos. A mentalidade de livrar-se
do lixo, como se o meu lixo não fosse de minha responsabilidade, se fortaleceu
ao longo dos anos, tanto que, nunca se viu algo do tipo, hoje os lixos chegam a
ocupar pedaços de ruas, e são livremente descartados nas avenidas e agora
também em cima da inacabada obra de fechamento dos canaletes das avenidas
centrais.
Ainda na
primeira metade dos anos 2000, foi criada a Estação de Tratamento de Águas e
Esgotos, numa área localizada na beira da BR 392, nos fundos do bairro próximo
a Rua dos Saveiros. A inauguração desta moderna estação, trouxe enormes
problemas para todos os moradores “do Marinha”. O cheiro de esgoto e de
produtos químicos que exalava, causou inúmeros transtornos, pois, para quem
morava perto da estação, o odor era praticamente insuportável. Outro ponto
negativo advindo da estação de tratamento, foi o aumento do número de mosquitos
e insetos que começaram a surgir no bairro em decorrência da nova Estação.
Por falar em
Corsan, este ano uma anunciada obra de saneamento, tomou conta de muitos
debates dentro da comunidade do Parque Marinha. A empreitada cobriria todo o
entorno das 3 avenidas centrais (Arquipélagos, Oceanos, Grandes Lagos) e mais a
Avenida das Enseadas, que corta o bairro de ponta a ponta no sentido
transversal.
A primeira
empresa contratada para a realização da obra, encontrou um jeito dinâmico e
nada consciente de levar adiante a tarefa.
Saiu derrubando todas as árvores que preenchiam as calçadas dos até
então existentes canaletes. Entretanto, num lapso de consciência comunitária uma
ação judicial partindo dos moradores junto aos órgãos competentes, acabou
determinando que, somente as árvores que estivessem dentro do canalete deveriam
ser retiradas. A partir disso,uma nova empresa foi contratada dando
prosseguimento de forma muito rápida às obras, no entanto a cobertura ainda não
se encontra completa em alguns trechos.
Dentro disso
tudo, o que mais se destaca, além destes acontecimentos mencionados, é que o
serviço de urbanismo, com a colocada de saibro, meios fios, e grama, foi feito
somente em dois pontos das Avenidas dos Arquipélagos e Grandes Lagos, as outras
partes se encontram hoje com um verdadeiro mato em formação, aguardando por
alguma medida que providencie a conclusão dessa obra.
Muito embora, a
Corsan não seja a responsável direta pelo andamento das obras, ela deixa muito
a desejar em todos os aspectos no bairro, seja na fiscalização de suas empresas
contratadas, ou seja, nos próprios serviços que a mesma presta à comunidade.
Canos estourados, calçadas arrebentadas, bombas despejando água 24 horas por
dia e um profundo cheiro de esgoto, se tornaram fatos corriqueiros dos
moradores do bairro, que na grande maioria das vezes esperam durante meses por
alguma solução da Companhia.
O
enfraquecimento de instituições que servem como elementos identitários do
bairro, também é outro fator o qual contribuiu para a degradação do espaço
físico/geográfico do Parque Marinha. As escolas do bairro, ao longo desses
curtos anos deixaram de realizar ações na comunidade, a integração antes
existente de forma intensa, perdeu força no decorrer destes anos.
Na década de
1990, as escolas do bairro tinham programas de participação dos alunos com a
comunidade. Projetos esportivos, artístico-culturais e as famosas bandas
marciais, eram verdadeiros elementos identitários que realmente cumpriam um
papel de integração do aluno e de sua família com as escolas e consequentemente
com o bairro.
A Associação de
Moradores do Bairro também se enfraqueceu, perdeu pra si mesma, em virtude de
más gestões e rixas de grupos políticos que ao invés de estarem lutando
pela preservação/aquisição de patrimônio, construção de lazer para os
moradores, optaram pelas desavenças administrativas, de pseudo líderes
comunitários.
O resultado disso tudo, é hoje uma Associação
enfraquecida, desprovida de seu caráter elementar, a participação popular. Como
saldo positivo, contabiliza-se a organização da ação civil contra a Corsan, onde
todos os moradores do Parque Marinha estão gradativamente sendo indenizados em
virtude dos prejuízos causados pela construção da Estação de Tratamento.
O cenário atual
no maior bairro da cidade beira ao caos, e leva qualquer cidadão de bem ao
profundo esgotamento depressivo, com relação aos órgãos competentes
administrativos do município. Desde o dia 21 de Dezembro de 2012, uma nova onda
de invasões vem se procedendo desenfreadamente nos campos que ainda restaram
dentro do Parque Marinha.
Como de praxe,
terrenos foram sendo timidamente delimitados por “profissionais experientes” na
área. Logo após o reconhecimento do ato, uma grande aglutinação se formou no
local. Nas duas semanas que se prosseguiram outros espaços públicos também
foram tomados, sem qualquer tipo de ação dos órgãos administrativos locais ou
estaduais.
A era da
degradação inaugurada com as invasões, deixou na memória de muitos moradores, o
tempo em que estas áreas verdes, os conhecidos "campinhos" do bairro, eram
destinados à praticas esportivas, brincadeiras ao mesmo tempo em que
embelezavam o local. A desordem “no Marinha”, causa uma extrema sensação de
medo e descontrole nos que, assim como eu, habitam há mais de 25 anos por essas
bandas. A minha utopia de sempre acreditar que um futuro melhor está por vir,
realmente foi e continua abalada pela descrença no ser humano. Enquanto o fator
individual prevalecer frente ao espírito comunitário, a vida na cidade estará
sendo reinventada diariamente.
Eu e minha família nos mudamos pra lá em 1984, na fundação. Moramos até 1987... Me lembro do cheiro de mato, de vida, de natureza. As casas eram todas iguais. Saudade daquele tempo.
ResponderExcluirChega ser hilário!!!
ResponderExcluirpassou a epoca de invasões taparam os canaletes campos de futebol so no albatroz mas o bairro continua um lugar bom pra morar moro a 34 anos aqui e só saio quando Deus quiser conheço todo mundo tenho varios amigos um dos lugares de invasão criamos uma pracinha pra criançada se divertir e algunsd adultos quebrar mas faz parte PAULO AVILA
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