quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Crescimento às avessas. Desconfiança e medo no Parque Marinha



Crescimento às avessas. Desconfiança e medo no Parque Marinha

O ano era 1999, talvez seja essa a última recordação que tenho dos campinhos, legítimas áreas verdes que faziam parte do cenário do maior bairro da cidade de Rio Grande, o Parque Marinha. Estes espaços eram diariamente ocupados por crianças que habitavam em suas proximidades. Naquele século, as crianças e adolescentes ainda cultivavam estranhos hábitos de brincar na rua, andar de bicicleta, jogar futebol, pé na bola, caçador e outras brincadeiras que faziam parte do cotidiano de uma geração que desconhecia os jogos On Line, Discovery Kids e Cartoon Network.
Mas por que falar de brincadeiras de infância? E qual é a relação desta com os campos do bairro? Em outras palavras, o fim das saudosas áreas verdes, o qual permeou a infância de muitos adultos hoje, está diretamente relacionado com o início de uma era de degradação do espaço físico e geográfico do Parque Marinha. A partir de 1999, o bairro vem atravessando sucessivas ondas de invasões, encabeçadas por posseiros profissionais que transformaram a paisagem pacata do bairro em renda da terra.  
Me lembro muito bem que terrenos eram marcados com linhas, sacolas plásticas penduradas em estacas delimitavam os limites de uma futura e duvidosa vizinhança. Casas eram erguidas da noite para o dia, um novo cenário se formava e o antigo habitante se deparava a cada amanhecer com uma nova paisagem.
O discurso de que essas posses serviriam unicamente com a finalidade de abrigar famílias que não tinham um teto, foi logo destituído pelo fato de que todos os invasores, uma vez erguidas suas malocas, colocaram-nas a venda, tratando de se livrar de maneira mais rápida possível. Inclusive, dentro desse rentável mercado que se tornou a posse de terrenos no Parque Marinha, uma série de pessoas criou um mercado paralelo, invadindo e posteriormente revendendo lotes em várias partes do bairro.
Os terrenos invadidos ainda permanecem, hoje são casas de excelente qualidade, sobrados, estabelecimentos comerciais, e o público que os habita sequer tem parentesco com os antigos invasores.
Então por que apontar as invasões como o ponto da degradação de um bairro? Parece extremamente preconceituoso e elitista falar uma coisa dessas. Acontece que como historiador de formação que sou, preciso delimitar marcos temporais, e o início dessa crítica que me soa como uma tragédia anunciada, tem o seu início, exatamente com as posses no ano de 1999. 
As invasões determinaram o princípio de uma nova era em que tudo se podia fazer, os direitos de moradia asseguravam a posse, as casas sem esgoto, luz elétrica, logo foram enjambradas com cabos elétricos e canos que traziam de forma muito precária a ligação. Águas servidas eram despejadas sem nenhum critério no meio das ruas, causando uma imensa sensação de descontrole.
Além disso, essa nova era marcou uma mudança de perfil dos moradores do bairro, que já estavam acostumados com o convívio das vizinhanças, com o espírito e sensação de comunidade. Como já disse antes, as posses modificaram o cenário do bairro, transformaram paisagens, trouxeram novos vizinhos e com eles a estranha sensação - como diz o sociólogo Zigmunt Bauman - de Medo e desconfiança de habitar. 

Os campos restantes, aqueles que não foram invadidos por algum motivo, ou pela intervenção direta dos poderes públicos, serviram como depositários de lembrança de um tempo presente, em que estes faziam parte da vida dos moradores. Mas também, acabaram ganhando uma nova finalidade, virando verdadeiros dispensários de lixo a céu aberto, em meio ao bairro. 

Sacolas plásticas, garrafas pet, latas, vidros, colchões, sofás e animais mortos eram, e são livremente despejados nesses espaços públicos. A mentalidade de livrar-se do lixo, como se o meu lixo não fosse de minha responsabilidade, se fortaleceu ao longo dos anos, tanto que, nunca se viu algo do tipo, hoje os lixos chegam a ocupar pedaços de ruas, e são livremente descartados nas avenidas e agora também em cima da inacabada obra de fechamento dos canaletes das avenidas centrais.  

Ainda na primeira metade dos anos 2000, foi criada a Estação de Tratamento de Águas e Esgotos, numa área localizada na beira da BR 392, nos fundos do bairro próximo a Rua dos Saveiros. A inauguração desta moderna estação, trouxe enormes problemas para todos os moradores “do Marinha”. O cheiro de esgoto e de produtos químicos que exalava, causou inúmeros transtornos, pois, para quem morava perto da estação, o odor era praticamente insuportável. Outro ponto negativo advindo da estação de tratamento, foi o aumento do número de mosquitos e insetos que começaram a surgir no bairro em decorrência da nova Estação.
Por falar em Corsan, este ano uma anunciada obra de saneamento, tomou conta de muitos debates dentro da comunidade do Parque Marinha. A empreitada cobriria todo o entorno das 3 avenidas centrais (Arquipélagos, Oceanos, Grandes Lagos) e mais a Avenida das Enseadas, que corta o bairro de ponta a ponta no sentido transversal.
  A primeira empresa contratada para a realização da obra, encontrou um jeito dinâmico e nada consciente de levar adiante a tarefa.  Saiu derrubando todas as árvores que preenchiam as calçadas dos até então existentes canaletes. Entretanto, num lapso de consciência comunitária uma ação judicial partindo dos moradores junto aos órgãos competentes, acabou determinando que, somente as árvores que estivessem dentro do canalete deveriam ser retiradas. A partir disso,uma nova empresa foi contratada dando prosseguimento de forma muito rápida às obras, no entanto a cobertura ainda não se encontra completa em alguns trechos.
Dentro disso tudo, o que mais se destaca, além destes acontecimentos mencionados, é que o serviço de urbanismo, com a colocada de saibro, meios fios, e grama, foi feito somente em dois pontos das Avenidas dos Arquipélagos e Grandes Lagos, as outras partes se encontram hoje com um verdadeiro mato em formação, aguardando por alguma medida que providencie a conclusão dessa obra.
Muito embora, a Corsan não seja a responsável direta pelo andamento das obras, ela deixa muito a desejar em todos os aspectos no bairro, seja na fiscalização de suas empresas contratadas, ou seja, nos próprios serviços que a mesma presta à comunidade. Canos estourados, calçadas arrebentadas, bombas despejando água 24 horas por dia e um profundo cheiro de esgoto, se tornaram fatos corriqueiros dos moradores do bairro, que na grande maioria das vezes esperam durante meses por alguma solução da Companhia.
O enfraquecimento de instituições que servem como elementos identitários do bairro, também é outro fator o qual contribuiu para a degradação do espaço físico/geográfico do Parque Marinha. As escolas do bairro, ao longo desses curtos anos deixaram de realizar ações na comunidade, a integração antes existente de forma intensa, perdeu força no decorrer destes anos.
Na década de 1990, as escolas do bairro tinham programas de participação dos alunos com a comunidade. Projetos esportivos, artístico-culturais e as famosas bandas marciais, eram verdadeiros elementos identitários que realmente cumpriam um papel de integração do aluno e de sua família com as escolas e consequentemente com o bairro.
A Associação de Moradores do Bairro também se enfraqueceu, perdeu pra si mesma, em virtude de más gestões e rixas de grupos políticos que ao invés de estarem lutando pela preservação/aquisição de patrimônio, construção de lazer para os moradores, optaram pelas desavenças administrativas, de pseudo líderes comunitários.
 O resultado disso tudo, é hoje uma Associação enfraquecida, desprovida de seu caráter elementar, a participação popular. Como saldo positivo, contabiliza-se a organização da ação civil contra a Corsan, onde todos os moradores do Parque Marinha estão gradativamente sendo indenizados em virtude dos prejuízos causados pela construção da Estação de Tratamento.
O cenário atual no maior bairro da cidade beira ao caos, e leva qualquer cidadão de bem ao profundo esgotamento depressivo, com relação aos órgãos competentes administrativos do município. Desde o dia 21 de Dezembro de 2012, uma nova onda de invasões vem se procedendo desenfreadamente nos campos que ainda restaram dentro do Parque Marinha.
Como de praxe, terrenos foram sendo timidamente delimitados por “profissionais experientes” na área. Logo após o reconhecimento do ato, uma grande aglutinação se formou no local. Nas duas semanas que se prosseguiram outros espaços públicos também foram tomados, sem qualquer tipo de ação dos órgãos administrativos locais ou estaduais.
  A era da degradação inaugurada com as invasões, deixou na memória de muitos moradores, o tempo em que estas áreas verdes, os conhecidos "campinhos" do bairro, eram destinados à praticas esportivas, brincadeiras ao mesmo tempo em que embelezavam o local. A desordem “no Marinha”, causa uma extrema sensação de medo e descontrole nos que, assim como eu, habitam há mais de 25 anos por essas bandas. A minha utopia de sempre acreditar que um futuro melhor está por vir, realmente foi e continua abalada pela descrença no ser humano. Enquanto o fator individual prevalecer frente ao espírito comunitário, a vida na cidade estará sendo reinventada diariamente.


3 comentários:

  1. Eu e minha família nos mudamos pra lá em 1984, na fundação. Moramos até 1987... Me lembro do cheiro de mato, de vida, de natureza. As casas eram todas iguais. Saudade daquele tempo.

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  2. passou a epoca de invasões taparam os canaletes campos de futebol so no albatroz mas o bairro continua um lugar bom pra morar moro a 34 anos aqui e só saio quando Deus quiser conheço todo mundo tenho varios amigos um dos lugares de invasão criamos uma pracinha pra criançada se divertir e algunsd adultos quebrar mas faz parte PAULO AVILA

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