No
dia em que uma parcela da cidade comemora a abertura do primeiro
shopping Center de Rio Grande, o Tuco Tuco apresenta uma reflexão
espacial sobre um dos locais mais valorizados da cidade e, também, um
dos que mais apresenta problemas de infraestrutura urbana.
Diante
da cidade que se projeta como uma das mais importantes do cenário
econômico do Rio Grande do Sul, e até mesmo do Brasil, frente à euforia
propagada pela melhora significativa na qualidade de vida daqueles que
conseguem ter um emprego de carteira assinada e, consequentemente, ter
acesso a bens de consumo antes impensáveis, é necessário também,
despirmos de nossos “mimos pessoais” para adentrar nos locais
onde nem todos conseguem ter acesso ao que está prescrito na proclamação
dos direitos humanos: saúde, moradia, educação e qualidade de vida.
Nas
últimas semanas, o assunto da moradia popular e as condições de
habitabilidade voltou a ser tema de debates e notícias entre os veículos
de informação da cidade. Moradores das chamadas “vilas”, (São João, São
Miguel e Bosque), localizadas nas redondezas do novo grande
empreendimento comercial, manifestaram toda a sua indignação em relação
às condições de falta de infraestrutura urbana dessa região.
Em
Dezembro de 2013, o Tuco Tuco realizou uma entrevista com o prefeito de
Rio Grande, Alexandre Lindenmeyer. Nessa ocasião, foi mencionada a
possibilidade da cidade ser contemplada com um grande programa
habitacional. Seriam mais de 1.200 casas a serem erguidas, justamente,
numa das regiões mais valorizadas e também, mais problemáticas, a
Junção. Nesse caso específico, o projeto visa à construção de nova
unidade habitacional no grande campo que se estende da estação de
integração até os limites do bairro Marluz e Vila Maria. Juntamente com o
bairro, também são previstas a construção de uma UPA (Unidade de Pronto
Atendimento) e de uma escola para atender a nova comunidade.
Alguns passos atrás...
No
início do século XX, quando a cidade de Rio Grande ainda possuía uma
população em torno de 40.000 habitantes, a urbe passava por um processo,
poderíamos dizer, “semelhante” ao que estamos vivenciando hoje, resguardadas as devidas proporções.
Crescimento
industrial significativo, proporcionado por indústrias de grande, médio
e pequeno porte. Um Porto Novo, pronto para atender às demandas de
cargas nacionais e internacionais e um crescimento populacional gerado
pela migração de trabalhadores. Esse aumento da população expôs pela
primeira vez o problema de habitação e de moradia popular em Rio Grande.
Nessa
época, pra ser mais específico, em 1909, chegava à cidade, a convite do
então prefeito, Juvenal Octaviano Miller, o renomado engenheiro
sanitarista Francisco Saturnino Rodrigues de Brito.
Brito
era o que havia de mais moderno e capacitado em termos de pensamento
urbano. Elaborou projetos de saneamento para cidades como Campos,
Santos, Recife, entre outros inúmeros trabalhos. Chegou em Rio Grande
com a missão de elaborar um projeto de saneamento em que as condições
geográficas e ambientais pudessem ser aproveitadas.
Ao
percorrer grande parte da região, observando e realizando testes sobre a
captação de água, Brito constatou que o triângulo da península era uma
dos locais mais propícios para a instalação dos poços absíneos. No
entanto, pela possibilidade de aproveitar a área mais próxima ao
centro, onde já existia a caixa d’água, acabou optando por erguer a rede
de captação na Hidráulica.
Mais
de um século depois, o Triângulo da Península permanece ali, não tão
natural, não tão triângulo assim. O seu solo não é mais puro como antes.
Talvez a água do lençol freático, que naquela época se mostrava de boa
qualidade para o consumo, esteja condenada, pois, estamos há décadas
convivendo com uma poluição desmedida no Saco da Mangueira, onde as
indústrias da Barra despejaram toneladas de litros de produtos químicos
em nossas águas.
Talvez
até mesmo a população, que passou a habitar de forma irregular essa
região, tenha contribuído para isso, construindo suas valetas e fossas
sépticas sem nenhum tipo de orientação técnica.
Todavia,
não podemos culpar essas pessoas pela contaminação do solo, pois elas
foram privadas do direito de morar por uma política incapaz de controlar
a gana do setor imobiliário. Uma politica que passou décadas sem criar
alternativas viáveis de moradia popular. O fato é que hoje a área se
apresenta como o principal local de crescimento urbano. Restaurantes,
integração de transporte, lojas automotivas, supermercados e até mesmo o
primeiro “palácio do consumo” estão sendo organizados, erguidos e
planejados nessa região.
O
antigo triângulo da península, local delimitado pelas duas linhas
férreas que se abriam a partir da Estação da Junção, hoje volta à tona
dos debates. Sejam eles por conta das inúmeras famílias que habitam o
local em situação de grave vulnerabilidade social e clamam por
melhorias, sejam pelo shopping Center Praça Rio Grande, ou sejam, também
no horizonte vislumbrado por esse grande projeto de moradia popular,
que pretende regularizar e dar condições dignas de vida a milhares de
pessoas.
É esperar e torcer para ver.
Texto publicado no site tucotuco em 23/04//2014
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