quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Contrastes urbanos. O triângulo da península entre o passado e o presente

No dia em que uma parcela da cidade comemora a abertura do primeiro shopping Center de Rio Grande, o Tuco Tuco apresenta uma reflexão espacial sobre um dos locais mais valorizados da cidade e, também, um dos que mais apresenta problemas de infraestrutura urbana.

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Diante da cidade que se projeta como uma das mais importantes do cenário econômico do Rio Grande do Sul, e até mesmo do Brasil, frente à euforia propagada pela melhora significativa na qualidade de vida daqueles que conseguem ter um emprego de carteira assinada e,  consequentemente, ter acesso a bens de consumo antes impensáveis, é necessário também, despirmos de nossos “mimos pessoais” para adentrar nos locais onde nem todos conseguem ter acesso ao que está prescrito na proclamação dos direitos humanos: saúde, moradia, educação e qualidade de vida.

Nas últimas semanas, o assunto da moradia popular e as condições de habitabilidade voltou a ser tema de debates e notícias entre os veículos de informação da cidade. Moradores das chamadas “vilas”, (São João, São Miguel e Bosque), localizadas nas redondezas do novo grande empreendimento comercial, manifestaram toda a sua indignação em relação às condições de falta de infraestrutura urbana dessa região.

Em Dezembro de 2013, o Tuco Tuco realizou uma entrevista com o prefeito de Rio Grande, Alexandre Lindenmeyer. Nessa ocasião, foi mencionada a possibilidade da cidade ser contemplada com um grande programa habitacional. Seriam mais de 1.200 casas a serem erguidas, justamente, numa das regiões mais valorizadas e também, mais problemáticas, a Junção. Nesse caso específico, o projeto visa à construção de nova unidade habitacional no grande campo que se estende da estação de integração até os limites do bairro Marluz e Vila Maria. Juntamente com o bairro, também são previstas a construção de uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento) e  de uma escola para atender a nova comunidade.

Alguns passos atrás...
No início do século XX, quando a cidade de Rio Grande ainda possuía uma população em torno de 40.000 habitantes, a urbe passava por um processo, poderíamos dizer, “semelhante” ao que estamos vivenciando hoje, resguardadas as devidas proporções.
Crescimento industrial significativo, proporcionado por indústrias de grande, médio e pequeno porte. Um Porto Novo, pronto para atender às demandas de cargas nacionais e internacionais e um crescimento populacional gerado pela migração de trabalhadores. Esse aumento da população expôs pela primeira vez o problema de habitação e de moradia popular em Rio Grande.
Nessa época, pra ser mais específico, em 1909, chegava à cidade, a convite do então prefeito, Juvenal Octaviano Miller, o renomado engenheiro sanitarista Francisco Saturnino Rodrigues de Brito.
Brito era o que havia de mais moderno e capacitado em termos de pensamento urbano. Elaborou projetos de saneamento para cidades como Campos, Santos, Recife, entre outros inúmeros trabalhos. Chegou em Rio Grande com a missão de elaborar um projeto de saneamento em que as condições geográficas e ambientais pudessem ser aproveitadas.
Ao percorrer grande parte da região, observando e realizando testes sobre a captação de água, Brito constatou que o triângulo da península era uma dos locais mais propícios para a instalação dos poços absíneos. No entanto, pela possibilidade  de aproveitar a área mais próxima ao centro, onde já existia a caixa d’água, acabou optando por erguer a rede de captação na Hidráulica.

mapa junção

Mais de um século depois, o Triângulo da Península permanece ali, não tão natural, não tão triângulo assim. O seu solo não é mais puro como antes. Talvez a água do lençol freático, que naquela época se mostrava de boa qualidade para o consumo, esteja condenada, pois, estamos há décadas convivendo com uma poluição desmedida no Saco da Mangueira, onde as indústrias da Barra despejaram toneladas de litros de produtos químicos em nossas águas.

Talvez até mesmo a população, que passou a habitar de forma irregular essa região, tenha contribuído para isso, construindo suas valetas e fossas sépticas sem nenhum tipo de orientação técnica.
Todavia, não podemos culpar essas pessoas pela contaminação do solo, pois elas foram privadas do direito de morar por uma política incapaz de controlar a gana do setor imobiliário. Uma politica que passou décadas sem criar alternativas viáveis de moradia popular. O fato é que hoje a área se apresenta como o principal local de crescimento urbano. Restaurantes, integração de transporte, lojas automotivas, supermercados e até mesmo o primeiro “palácio do consumo” estão sendo organizados, erguidos e planejados nessa região.

O antigo triângulo da península, local delimitado pelas duas linhas férreas que se abriam a partir da Estação da Junção, hoje volta à tona dos debates. Sejam eles por conta das inúmeras famílias que habitam o local em situação de grave vulnerabilidade social e clamam por melhorias, sejam pelo shopping Center Praça Rio Grande, ou sejam, também no horizonte vislumbrado por esse grande projeto de moradia popular, que pretende regularizar e dar condições dignas de vida a milhares de pessoas.

É esperar e torcer para ver.
Texto publicado no site tucotuco em 23/04//2014

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