quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Devaneios Papareia: Parte II

                                   Rua Duque de Caxias, início do Séc XX.
                                       Rua Duque de Caxias, início do Séc XX.
Em Rio Grande, durante muitos anos, a mentalidade reinante era a de que prédios velhos deveriam ser postos a baixo em troca de novos. Dentro desse pensamento, desapareceram dezenas, centenas de construções no centro da cidade. Quando estabelecemos comparação com os nossos vizinhos percebemos o enorme abismo que separa as duas cidades em relação às políticas de defesas do patrimônio artístico cultural, assim como fica evidente a mentalidade dessas duas cidades irmãs. Em Pelotas, a mentalidade é preservar para se vender.

Para esclarecer melhor essa ideia, menciono aqui o exemplo da Universidade Federal de Pelotas, que comprou/adquiriu inúmeros prédios históricos para construir seus centros de estudos e sedes administrativas. Mesmo que isso implique no aumento significativo dos gastos, é a expressão máxima de uma política bem definida de valorização do patrimônio local, custe o que custar. 

Atualmente, em Rio Grande, vivemos sob o escudo de cidade histórica. Uma cidade que se vende como histórica, mas que possui uma secretaria de turismo que pensa o turismo da mesma maneira como este era pensado na década de 1950. Uma cidade que se propaga como histórica, mas que não valoriza o patrimônio artístico cultural das fachadas de seus prédios, lugar onde os outdoors comerciais escondem a beleza de uma época em que a tradição e os valores de uma família eram esculpidos em cimento e mármore no alto das casas. 

Nessa mesma cidade, o patrimônio artístico-humano também é gravemente lesado; os músicos locais encontram cada vez menos lugares para exercerem o seu trabalho. Por trás disso tudo, a velha história do barulho e perturbação do sossego que ganhou nova roupagem de alvará de licença para música ao vivo. E com isso, vem toda uma pesada carga tributária que acaba resultando no final das contas na opção do empresário em investir 1/5 da grana tributada em um aparelho de som, projetor e uns dvd’s e a questão da música ambiente fica resolvida.

Rio Grande nunca vai mudar mesmo que mude, porque pensamos hoje da mesma forma como pensavam nossos avós. Quem ousa propor algo diferente por aqui é ridicularizado, vira sinônimo de piada entre os conterrâneos. Alguém lembra do Professor Filomena? 
Candidato por duas vezes a prefeito, Filomena era a personificação da inovação, a começar pelo o seu jingle de campanha. Professor universitário, surfista, homem viajado, esclarecido, trazia exemplos de cidades sustentáveis e propunha justamente o novo, fazer diferente pensando pra frente, com a mente aberta para o futuro. 

O que aconteceu com o professor Filomena não foi diferente do que acontece com quem pensa pra frente, desprendido do padrão papareia. Ele virou  sinônimo de insanidade, do impossível, piada, “meme” “fake”, ou seja lá o que for. Este fenômeno é digno do conservadorismo local, é digno de que vem vocifera em tribuna da câmara ou escreve coluna em jornal para defender a permanência de um fétido mini-zoo cravado em plena praça na zona central da cidade. É digno de quem passou gerações ensinando que diversão e entretenimento familiar é alimentar macacos, patos e gansos com pipocas. É ensinar que “tudo está no seu lugar graças a Deus”, porque ele quis assim e que devemos nós nos contentar com o que temos, sem alterar a ordem das coisas. É não aceitar o direito do outro de opinar, simplesmente pelo fato dessa pessoa pensar diferente do que a grande maioria pensa e, imagina como verdade.

Quando eu e o colega Felipe Nóbrega escrevemos um texto aqui no blog sob a região metropolitana, fomos acusados de estar defendendo a cidade de Pelotas, de estarmos nos voltando contra a nossa cidade natal, entre outras coisas. Mas o que na realidade imaginamos e escrevemos lá, é que Rio Grande nunca se pensou como a protagonista da região sul, sempre ocupou o lugar de secundária, exatamente por ser “amaldiçoada” por esse espírito conservador que paira sobre as mentes dos que a administram.

Nada, absolutamente nada, explica uma cidade portuária, que recebe cruzeiros internacionais, não ter pelo menos um funcionário em cada estabelecimento comercial que fale inglês, ou não ter lojas que aceitem compras em dólar. Fatos como esses explicam o porquê dos turistas lotarem vans para ir fazer compras na cidade vizinha.  Afinal de contas, uma cidade que dá as boas vindas para os turistas com danças de invernadas não merece muita coisa mesmo! 

A política de Rio Grande é o reflexo dessa mentalidade, temos hoje um prefeito novo, com ideias novas e algumas pessoas bem esclarecidas ao seu lado. No montante, o que vemos é um projeto vencedor, mas que comete os mesmos erros de sempre. O PT de Rio Grande venceu no cansaço, no desgosto do povo que almejava mudanças, mas incorre e esbarra nos mesmos erros de sempre. Funcionários administrativos incompetentes, viciados no ostracismo, cargos de confiança adquiridos no empunhar da bandeira que resultam no nada, em funcionários cuja única função é passar jogando Candy Crush nas redes sociais. 
Na câmara, a bancada de oposição, maioria, se organiza para barrar tudo e qualquer medida que vise “alterar o status quo”. Não importa se trará benefícios para o povo, o que vale é apontar os defeitos e impossibilidades, tudo é válido nesse jogo, inclusive misturar política e religião criando datas comemorativas para evangélicos. Afinal de contas, é sempre bom cuidar do nosso rebanho, né?

Como escreveu o pelotense Vitor Ramil em uma de suas letras, “a vida segue veloz nessa cidade no fim do fundo da América do Sul”. Aqui no meu canto, no escuro do quarto, continuo torcendo por mudanças, acreditando nas boas ideias e, quem sabe, na mudança de mentalidade de nosso povo. Mas do jeito que as coisas são, é mais fácil ser abduzido por uma nave espacial. 

Porque Rio Grande nunca vai mudar mesmo que mude. E aí, talvez outra frase da mesma música de Ramil ajude um pouco a entender com mais lógica ou quem sabe racionalidade, essa dinâmica histórica, psicossocial da nossa cidade: Rio Grande  se localiza entre o começo do inferno e fim do céu.

Texto publicado no site tucotuco em: 26/01/2014

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